Unidos Pela Guerra

Unidos Pela Guerra
Peter Cave
Trad. Pedro Lopes d'Azevedo e Clarisse Tavares
304 Páginas


A narrativa transcreve aquele período de eclosão da Segunda Guerra Mundial, mais precisamente desde o Outono de 1939 até ao Verão de 1940, em que o dia a dia estava fortemente carregado pelas influências das propagandas e ideologias, e relata o quotidiano de duas famílias inglesas durante esse tempo, socialmente opostas e diferentes, uma burguesa e a outra plebeia, que se vêem obrigadas a conviver, incontingências da sobrevivência, e assim convergindo, não obstante todas as suas divergências no modus vivendi como de valores e filosofia de vida, ao se verem unidas pelo "santo laço do matrimónio" entre dois dos seus descendentes, numa altura de crise e falência das condutas e clivagens tradicionais britânicas, certamente de risco e incerteza pelo amanhã, em que a mínima relação interpessoal dos géneros pode ser o rastilho incendiário para uma afectividade passional.
Nesta reconstituição de época, é de salientar o mapa de sentimentos e esboço relacional de duas famílias conservadoras, resistentes, orgulhosamente conscientes das suas dessemelhanças, todavia capazes de as superarem e acatarem uma abertura estratégica de sobrevivência, mas não definitiva, como também o croquis sociológico, onde se nos pinta e apresenta uma sociedade rigidamente demarcada e estruturada, em que a aproximação e inter-relacionamento dos indivíduos das suas díspares classes só é possível porque imposta pelas circunstâncias conjunturais, na então imperiosidade do amor como da guerra. E, neste caso, terão sido os dois. O que é deveras gratificante e nos leva a pensar em como a arte, para ser útil à comunidade e espiritualmente enriquecedora da pessoa humana, logo humanitária, não precisa de grandes enredos e complicadas tramas, de personagens com atitudes e jogos transcendentais, nem dos preciosismos barrocos tão queridos e clericais quão afidalgados, mas muito bem pode optar pela simplicidade, singeleza e despretensiosismo intelectual, além da concreta subscrição factual no verosímil, em vez do rigor fundamental cinzentão e sorumbático, unicamente apoiada pelo discurso jornalístico, escarnado, preciso mas flexível, objectivo mas polissémico, que assiste às grandes reportagens, numa evidente economia de termos, como é apanágio de Peter Cave e a que, suponho, os tradutores souberam manter a traça original não obstante as peculiaridades das línguas inglesa e portuguesa.
Ao contrário de Expiação, de Ian McEwan, mas igualmente adstrito aos estilos de Jane Asten e irmãs Brontë, em que os protagonistas são separados pelas guerras, a das famílias, a das classes sociais e a outra, a das nações, o retoque de esperança que alivia a ansiedade sentimental nasce (ou sustenta-se e mantém-se) precisamente das dificuldades comuns perante um inimigo exterior, porquanto é invariavelmente esse o leitmotiv que assiste, sublinha ou justifica, além de ser permitido ou tolerado, o princípio de mudança na atitude social das famílias mais conservadoras, tradicionais, ortodoxas, cujos pergaminhos genealógicos remetem até à fundação das nações, sobretudo se essa nação é a pátria de um povo frio, calculista, racial, tão rígido quanto provinciano, adverso a miscegenações ou misturas, quer elas sejam de índole cultural, como de natureza apenas genética.
Aliás, deveras elucidativo de como à civilização britânica não escapou, espelhando-a, pois teve honras cinematográficas e televisivas, nomeadamente numa série homónima e com a chancela da BBC – salvo erro!

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