O Escafandro e a Borboleta

Jean-Dominique Bauby
Trad. Clarisse Tavares
152 Páginas


No silêncio precioso que faculta ouvir borboletas a voarem-lhe dentro da cabeça, enclausurado num escafandro, para onde fora remetido o seu corpo inerte, após um acidente vascular que o fechou no interior de si mesmo – dito tecnicamente de locked-in syndrome –, Jean-Dominique Bauby, redactor-chefe da cosmopolita revista ELLE, elabora mentalmente a sua derradeira reportagem, qual diário de bordo para uma viagem sem retorno possível, porquanto a morte breve se avizinha ser a sua única certeza. Vinte dias de coma e algumas semanas de nevoeiro cerrado, terão sido o prelúdio ao período de lucidez, qual canto do cisne, que antecedeu o seu falecimento, no qual respirar, mas também amar e admirar, lhe foram tão urgentes como necessários, essenciais quão derradeiros, imprescindíveis quanto irrecuperáveis, cuja sofreguidão consome a uma velocidade meteorítica, precisamente por estarem os minutos contados, serem aquela gota de vida que se escoa na clepsidra dos sentidos, comum ao fim incontornável, no balanço de uma conta-corrente com prazo de termo certo, prestes a expirar, e necessariamente esgotante, seja qual for a humanidade que nos ampare ou a receita que nos apliquem.
E talvez exactamente por isso, tenha sentido que não pode, nem deve partir, sem comunicar/partilhar essa experiência ímpar (e empírica) apenas vivida pelos que resistem, até às últimas consequências, ao seu anunciado destino. Então, com o auxílio de enorme alfabeto fixo na sua frente, sobre o qual as pessoas vão apontando, uma a uma, as letras que compõem as palavras que quer "pronunciar", e com elas construir depois a frase que enuncia o seu sentido pensamento, que ele indica apenas com uma piscadela de olho, que é, de todo o seu corpo, o único órgão que funciona minimamente, dando a quem o secretaria e regista a noção exacta do que quer dizer, para assim transmitir o conteúdo deste livro, onde passa em "revista", muito mais que o seu abatimento perante a morte, a sua luta em prol da vida que lhe ia escapando, pingando gota a gota, escorrendo e engrossando numa cadeia de significados com a foz à vista. Logo, em quadros precisos, austeros e rigorosos, com a economia de termos exigível, enunciando aquela objectividade exemplar a que as circunstâncias naturalmente obrigaram, estabelecendo, sem o recurso, nem dispêndio, de grandes efeitos especiais ou alindamentos de estilo, o roteiro de uma caprichosa aventura, aliás aproveitada por Steven Spilelperg, que atempadamente a adaptou ao cinema, no cumprimento do epílogo de uma existência breve (1952-1997) mas imorredoira, sustentada até ao final, pelo preenchimento subjacente à profissão de comunicador, de que não se conhece limite nem horário determinado, embora o convívio familiar seja agitado e envolvente, ou o universo afectivo esteja recheado de arrebatadoras amizades que o dia a dia é pródigo em fornecer.
Pelo que, ainda se mais nada houvesse nele que nos merecesse atenção, a motivação que lhe assistiu, seria já uma excelente razão para a sua leitura... (digo eu!)

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