Clímax, de Dick Haskins
"Uma coisa é acertarmos, quando apontamos a chave à fechadura
de uma casa que nos é familiar – a nossa. Outra coisa é não acertarmos
com a fechadura, mesmo quando a casa nos é familiar. Uma coisa
é chegar a casa sóbrio, outra é chegar bêbado. Mas outra coisa ainda
é chegar a casa sóbrio, acertar com a fechadura, entrar no átrio, ficar bêbado
no segundo imediato e consciente no segundo que se segue ao imediato."
DH, in Clímax, p. 63
Eis três colecções diferentes da Edições DH DêAgá – Romance, Espionagem e Enigma –, que têm em comum o facto da capa ser do mesmo autor, Andrade Albuquerque, dirigidas por A. Andrade Albuquerque, que é nem mais nem menos do que António Andrade Albuquerque, aliás, Dick Haskins (DH).
DH não só é o autor como personagem importante, protagonista, mais precisamente um dos detectives com parte activa no desfecho das narrativas, isto quando em folga do seu principal mister nelas, que é desempenho de narrador "omnipresente", aquele que tudo ouve, tudo vê, eixo que superintende o fluxo das acções. Não um narrador qualquer, nem apenas o alter-ego do autor, mas um alter-ego do pseudónimo, o que parece bastante mais complicado (e controverso), não obstante o background de sustentação da narrativa seja o mundo empresário editorial, onde António Andrade Albuquerque nada no dia a dia.
E neste livro as suspeitas confirmam-se... Clímax, obra pertencente à doação de Orlando Neves à Biblioteca Municipal de Portalegre, onde o autor (DH) rabiscou dedicatória a propósito, em Abril de 1972, data da oferta que curiosamente não é coincidente com a data da 1ªedição (1969), conforme a imagem inclusa neste "arrazoado crítico", mantém a técnica estrutural dos cinco quadros/situações basilares, matriz esquemática pronunciada no conto Último Fim, mas agora com o desenvolvimento exigido pelo género romance, formando um estendido e prolongado painel que suporta o puzzle. Porque tudo aponta ser um minucioso e enorme puzzle a caixa rectangular do enigma que constituí a obra literária que temos em mãos.
Primeira jornada
Wade contrata alguém para simular atentados contra si, mas que o não atinjam; no entanto, alguém lhes passa a perna, aos supostos atacante e vítima, atentando deveras contra ele, virando o feitiço contra o feiticeiro, numa sequência de peripécias que culminam com o suicídio criminoso da vítima. Isto é, na perpetuação de um suicídio com grandes afinidades ao homicídio, porquanto se "neste último a morte é praticada por outrem na pessoa do seu semelhante, o primeiro é a morte praticada por um indivíduo em si próprio, dado que o suicídio é crime, e, uma vez consumada esta espécie de delito, podemos dizer que o assassino, na personalidade da própria vítima, se puniu pela prática do mesmo" (p. 55).
Segunda jornada
«Ser-se humano é uma coisa, defendermo-nos de quem não pratica as leis humanas é outra coisa», reza o guião da ética policial apagando assim as dúvidas acerca da nobreza de princípios de quem navega nas águas do Classe B, remando contra a confusão que há entre ser-se violento e escrever sobre violência, pondo acento no carácter e natureza dessa bestialidade, uma vez que ela não é logicamente consequente do olho por olho dente por dente, nem se enreda nos maquinismos patológicos da agressividade gratuita. A coisa fia mais fino, e o boggart DH evidencia-o na p. 74, para que o não esqueçamos entre o tinto e a talhada de chouriço, posto que não havendo desprimor por uns e outros, copos e enchidos, o que é certo é que não devemos confundi-los, tal como escrever é muito diferente de encher capítulos, fazer deles uma fiada de salsichas onde a última (clímax) terá maior requinte, mais acentuado odor, acentuado paladar e melhor apresentação. Portanto, o jogo vai na brida e quem pensa enviesado ameaça quando se sente ameaçado, mas quem se não deixa ludibriar pelas aparências (o detective) não cai nele, e não é lá porque ameaçam de morte quem ele ama para parar as investigações, que este deixa de investigar, nem quem o ama deixa de o amar pelo risco que ele lhe faz correr, as mudanças na sua vida que isso obriga, os terceiros que incomoda.
Todavia a vítima dos falsos atentados sofrerá também atentados reais, não só porque estava condenada a morrer muito antes de se matar, em consequência de uma neoplasia no estômago, que lhe seria fatal, alinhavando a motivação criminosa para o plano das seguradoras e beneficiários do seguro de vida, contando com a cumplicidade dúplice do médico pessoal, muito amigo do seu cliente em vésperas de se tornar ex-cliente, o D. Sinclair Backer para render homenagem a outras figuras do policial, mas sim porque a criminosa vítima inspiradora dos atentados acabou por falecer da falácia de suposto homicídio praticado na sua própria pessoa, comummente apelidada de suicídio, enquanto forma prática de um segundo verdadeiro atentado. E para simplificar as coisas...
Terceira jornada
Investigar crimes é perigoso, quer para quem investiga como para quem favorece e fornece pistas de investigação, de onde resulta que ninguém o fará de ânimo leve sem uma motivação especial para isso. Wells e Howard fazem-no é claro, mas sem dar nas vistas, antes porque parece ser esse o seu papel profissional, pertencentes que são à Scotland Yard, mas sem correr demasiados nem desnecessários riscos, mas com DH a história é outra pois acredita terem-lhe matado a sua mais-que-tudo e sempre eterna noiva (Kathy), precisamente aquela que ele não desposou por achar que com tal casamento a poderia pôr em risco, nem dar-lhe a vida de serena felicidade que ela merecia, pela sua beleza e fragilidade, pela ternura e respeito e admiração que lhe inspirava. Abdicação, porém, vã, pois é o que acaba por suceder. E isso é duro, mesmo para os mais insensíveis e frios duros, fazendo notar como a brasa incandescente é deveras cruel para os glaciares intempestivos. Saber a sua Kathy morta é doloroso, e essa dor exige acção, sobretudo quando nela se adivinham resquícios de culpa, ou que sua morte teria sido um acidente, um efeito secundário de uma explosão que lhe seria destinada, numa viatura "igual" à sua...
Quarta jornada
Com a morte de Kathy muitas das insubmissões submersas pelo receio de perdê-la vêm à tona, nomeadamente as de lógica e conteúdo, e outras mortes podem suceder daí. As mulheres são o alvo preferencial além dos personagens secundários que mal borboletaram no enredo. Os atiradores a saldo, as secretárias, os porteiros, são a fauna peculiar desses ínterins. E principalmente provocam algumas revelações inimagináveis, que parecem dissolver a atmosfera de duplicidade e nublosa, ou enviesada desenvoltura da narrativa. E uma delas arrasta-nos definitivamente de rojo: Wade, a vítima, proprietário das edições George D. Wade & Co. de contencioso antigo com a agência literária New Books, Ltd., instalada no prédio fronteiro de onde teria partido o primeiro tiro, não era só um empresário do mundo editorial mas também foi, desde a II Guerra Mundial, agente da Scotland Yard, e por sinal duplo, que circulou entre os dois lados da cortina da guerra fria, embora retirado desse tráfego há algum tempo, pelo menos o suficiente para amadurecer esse facto.
Quinta jornada
De surpresa em surpresa o suspense renasce. O puzzle ficou concluído mas não chega, porquanto visionarmos o quadro completo não basta para desvendar o suicídio que em tudo aponta para um homicídio. É preciso o fio de Ariane para nos descolarmos dentro dele, e assim atingir a verdade, se porventura alguma há em tamanho enredo de duplicidades. O labirinto, eis o modelo que desde o início nos recusámos a ver como estrutura molecular do romance, que encerra e desvenda o folte face necessário ao clímax... Sobretudo quando ele é imo essencial de um livro hard-cover numa obra maioritariamente de capa mole!
Em resumo, a teoria do conto que é matriz em muitas das obras maiores confirma-se plenamente:
1. tese –> 2. antítese –> 3. síntese
/
3. tese –> 4. antítese –> 5. síntese / clímax
(um, dois, três; um, dois, três, quatro minutos de jazz).
Só quem o não leu fica a perder. Eis a principal vítima dum homicídio que qualquer um pode cometer na sua própria pessoa. Aliás, como se elucida na página 198, "todos os assassinos erram; de uma forma ou de outra, erram sempre. A questão reside em descobrir onde eles erraram, mais cedo ou mais tarde, ou nunca..."
Clímax – denomina-se clímax o momento em que, numa peça teatral, romance, conto ou poema narrativo, uma crise (viragem para melhor ou para pior numa doença aguda, campanha militar, aventura de amor, relacionamento interpessoal ou qualquer outro processo em actividade; no teatro como na literatura de ficção diz-se porém que ocorre uma crise as forças que originam o conflito se entrechocam numa acção decisiva que vai alterar o curso enredo) atinge o seu ponto culminante, e desse modo encontra uma resolução cabal. Significa assim a resposta do espectador, ou leitor, ao mesmo tempo que designa a rotura de desprendimento de uma acção à seguinte, ou, pelo contrário o volte face processual de um enredo que lhe origina o fim.
Hard-cover – livro encadernado, geralmente com sobrecapa, numa edição já considerada, ou muito próxima, da edição de luxo.
de uma casa que nos é familiar – a nossa. Outra coisa é não acertarmos
com a fechadura, mesmo quando a casa nos é familiar. Uma coisa
é chegar a casa sóbrio, outra é chegar bêbado. Mas outra coisa ainda
é chegar a casa sóbrio, acertar com a fechadura, entrar no átrio, ficar bêbado
no segundo imediato e consciente no segundo que se segue ao imediato."
DH, in Clímax, p. 63
Eis três colecções diferentes da Edições DH DêAgá – Romance, Espionagem e Enigma –, que têm em comum o facto da capa ser do mesmo autor, Andrade Albuquerque, dirigidas por A. Andrade Albuquerque, que é nem mais nem menos do que António Andrade Albuquerque, aliás, Dick Haskins (DH).
DH não só é o autor como personagem importante, protagonista, mais precisamente um dos detectives com parte activa no desfecho das narrativas, isto quando em folga do seu principal mister nelas, que é desempenho de narrador "omnipresente", aquele que tudo ouve, tudo vê, eixo que superintende o fluxo das acções. Não um narrador qualquer, nem apenas o alter-ego do autor, mas um alter-ego do pseudónimo, o que parece bastante mais complicado (e controverso), não obstante o background de sustentação da narrativa seja o mundo empresário editorial, onde António Andrade Albuquerque nada no dia a dia.
E neste livro as suspeitas confirmam-se... Clímax, obra pertencente à doação de Orlando Neves à Biblioteca Municipal de Portalegre, onde o autor (DH) rabiscou dedicatória a propósito, em Abril de 1972, data da oferta que curiosamente não é coincidente com a data da 1ªedição (1969), conforme a imagem inclusa neste "arrazoado crítico", mantém a técnica estrutural dos cinco quadros/situações basilares, matriz esquemática pronunciada no conto Último Fim, mas agora com o desenvolvimento exigido pelo género romance, formando um estendido e prolongado painel que suporta o puzzle. Porque tudo aponta ser um minucioso e enorme puzzle a caixa rectangular do enigma que constituí a obra literária que temos em mãos.
Primeira jornada
Wade contrata alguém para simular atentados contra si, mas que o não atinjam; no entanto, alguém lhes passa a perna, aos supostos atacante e vítima, atentando deveras contra ele, virando o feitiço contra o feiticeiro, numa sequência de peripécias que culminam com o suicídio criminoso da vítima. Isto é, na perpetuação de um suicídio com grandes afinidades ao homicídio, porquanto se "neste último a morte é praticada por outrem na pessoa do seu semelhante, o primeiro é a morte praticada por um indivíduo em si próprio, dado que o suicídio é crime, e, uma vez consumada esta espécie de delito, podemos dizer que o assassino, na personalidade da própria vítima, se puniu pela prática do mesmo" (p. 55).
Segunda jornada
«Ser-se humano é uma coisa, defendermo-nos de quem não pratica as leis humanas é outra coisa», reza o guião da ética policial apagando assim as dúvidas acerca da nobreza de princípios de quem navega nas águas do Classe B, remando contra a confusão que há entre ser-se violento e escrever sobre violência, pondo acento no carácter e natureza dessa bestialidade, uma vez que ela não é logicamente consequente do olho por olho dente por dente, nem se enreda nos maquinismos patológicos da agressividade gratuita. A coisa fia mais fino, e o boggart DH evidencia-o na p. 74, para que o não esqueçamos entre o tinto e a talhada de chouriço, posto que não havendo desprimor por uns e outros, copos e enchidos, o que é certo é que não devemos confundi-los, tal como escrever é muito diferente de encher capítulos, fazer deles uma fiada de salsichas onde a última (clímax) terá maior requinte, mais acentuado odor, acentuado paladar e melhor apresentação. Portanto, o jogo vai na brida e quem pensa enviesado ameaça quando se sente ameaçado, mas quem se não deixa ludibriar pelas aparências (o detective) não cai nele, e não é lá porque ameaçam de morte quem ele ama para parar as investigações, que este deixa de investigar, nem quem o ama deixa de o amar pelo risco que ele lhe faz correr, as mudanças na sua vida que isso obriga, os terceiros que incomoda.
Todavia a vítima dos falsos atentados sofrerá também atentados reais, não só porque estava condenada a morrer muito antes de se matar, em consequência de uma neoplasia no estômago, que lhe seria fatal, alinhavando a motivação criminosa para o plano das seguradoras e beneficiários do seguro de vida, contando com a cumplicidade dúplice do médico pessoal, muito amigo do seu cliente em vésperas de se tornar ex-cliente, o D. Sinclair Backer para render homenagem a outras figuras do policial, mas sim porque a criminosa vítima inspiradora dos atentados acabou por falecer da falácia de suposto homicídio praticado na sua própria pessoa, comummente apelidada de suicídio, enquanto forma prática de um segundo verdadeiro atentado. E para simplificar as coisas...
Terceira jornada
Investigar crimes é perigoso, quer para quem investiga como para quem favorece e fornece pistas de investigação, de onde resulta que ninguém o fará de ânimo leve sem uma motivação especial para isso. Wells e Howard fazem-no é claro, mas sem dar nas vistas, antes porque parece ser esse o seu papel profissional, pertencentes que são à Scotland Yard, mas sem correr demasiados nem desnecessários riscos, mas com DH a história é outra pois acredita terem-lhe matado a sua mais-que-tudo e sempre eterna noiva (Kathy), precisamente aquela que ele não desposou por achar que com tal casamento a poderia pôr em risco, nem dar-lhe a vida de serena felicidade que ela merecia, pela sua beleza e fragilidade, pela ternura e respeito e admiração que lhe inspirava. Abdicação, porém, vã, pois é o que acaba por suceder. E isso é duro, mesmo para os mais insensíveis e frios duros, fazendo notar como a brasa incandescente é deveras cruel para os glaciares intempestivos. Saber a sua Kathy morta é doloroso, e essa dor exige acção, sobretudo quando nela se adivinham resquícios de culpa, ou que sua morte teria sido um acidente, um efeito secundário de uma explosão que lhe seria destinada, numa viatura "igual" à sua...
Quarta jornada
Com a morte de Kathy muitas das insubmissões submersas pelo receio de perdê-la vêm à tona, nomeadamente as de lógica e conteúdo, e outras mortes podem suceder daí. As mulheres são o alvo preferencial além dos personagens secundários que mal borboletaram no enredo. Os atiradores a saldo, as secretárias, os porteiros, são a fauna peculiar desses ínterins. E principalmente provocam algumas revelações inimagináveis, que parecem dissolver a atmosfera de duplicidade e nublosa, ou enviesada desenvoltura da narrativa. E uma delas arrasta-nos definitivamente de rojo: Wade, a vítima, proprietário das edições George D. Wade & Co. de contencioso antigo com a agência literária New Books, Ltd., instalada no prédio fronteiro de onde teria partido o primeiro tiro, não era só um empresário do mundo editorial mas também foi, desde a II Guerra Mundial, agente da Scotland Yard, e por sinal duplo, que circulou entre os dois lados da cortina da guerra fria, embora retirado desse tráfego há algum tempo, pelo menos o suficiente para amadurecer esse facto.
Quinta jornada
De surpresa em surpresa o suspense renasce. O puzzle ficou concluído mas não chega, porquanto visionarmos o quadro completo não basta para desvendar o suicídio que em tudo aponta para um homicídio. É preciso o fio de Ariane para nos descolarmos dentro dele, e assim atingir a verdade, se porventura alguma há em tamanho enredo de duplicidades. O labirinto, eis o modelo que desde o início nos recusámos a ver como estrutura molecular do romance, que encerra e desvenda o folte face necessário ao clímax... Sobretudo quando ele é imo essencial de um livro hard-cover numa obra maioritariamente de capa mole!
Em resumo, a teoria do conto que é matriz em muitas das obras maiores confirma-se plenamente:
1. tese –> 2. antítese –> 3. síntese
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3. tese –> 4. antítese –> 5. síntese / clímax
(um, dois, três; um, dois, três, quatro minutos de jazz).
Só quem o não leu fica a perder. Eis a principal vítima dum homicídio que qualquer um pode cometer na sua própria pessoa. Aliás, como se elucida na página 198, "todos os assassinos erram; de uma forma ou de outra, erram sempre. A questão reside em descobrir onde eles erraram, mais cedo ou mais tarde, ou nunca..."
Clímax – denomina-se clímax o momento em que, numa peça teatral, romance, conto ou poema narrativo, uma crise (viragem para melhor ou para pior numa doença aguda, campanha militar, aventura de amor, relacionamento interpessoal ou qualquer outro processo em actividade; no teatro como na literatura de ficção diz-se porém que ocorre uma crise as forças que originam o conflito se entrechocam numa acção decisiva que vai alterar o curso enredo) atinge o seu ponto culminante, e desse modo encontra uma resolução cabal. Significa assim a resposta do espectador, ou leitor, ao mesmo tempo que designa a rotura de desprendimento de uma acção à seguinte, ou, pelo contrário o volte face processual de um enredo que lhe origina o fim.
Hard-cover – livro encadernado, geralmente com sobrecapa, numa edição já considerada, ou muito próxima, da edição de luxo.
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