A Suciadade dos Associais e Assuciados




A pintura de entrada (o mural, portanto, que enforma a moral da prédica) é do Paulo Moreira, e reflecte exemplarmente o ambiente underground que precede e sustenta a formação social dos nossos quadros superiores, forjados na escolaridade académica da competição, das notas para abichar notas, notória vantagem competitiva para os que querem ser o número UM seja no que for, o que importa é que sejam os melhores da altura, no crime, na loucura, na turma, na dança, na matemática, no levar no cu, no atletismo, no futebol, na cultura, na ciência, na política, na pureza como na pecação, quais cavalos a abater em sacrifício das parangonas, que vêem na sociedade um conjunto de combatentes, se estes lhe não baterem palmas a propósito de tudo e de nada, ou de aliados cujo principal valor é o de ajudarem o narciso a conquistar o podium dos ídolos, a sua suprema obsessão, logo a súcia claque do objectivo maior daqueles que essencialmente almejam acertar sempre no centro, incluindo no alvo das coisas erradas e perniciosas.
Elegeram os seus amores contra os seus ódios, ou vice-versa, e guerreiam, guerreiam, guerreiam: guerreiam pela pátria contra as outras pátrias, pelos brancos contra as outras "cores", por este género contra os demais géneros, incluindo os mistos; guerreiam pelos da sua universidade contra as outras universidades, pelos do seu ano contra os outros anos, pelos das suas turmas contra as outras turmas; guerreiam pelo seu clube, bairro, cidade ou região contra os outros clubes, bairros, cidades e regiões; guerreiam pelo seu Deus, pelos seus ritos, cultos e religiões contra os outros deuses, os outros ritos, cultos e religiões, não lhes reconhecendo demais objectivos ou funcionalidades, a não serem o de reencarnar o mal que necessitam para executarem o seu bem, a prova da sua excelsa bondade.
E fazem-no com todas as armas possíveis e inimagináveis. Com o currículo, com a beleza, porte atlético, carro, vivenda, penico antigo, charme, gosto, ideias, obras, filhos e filhas, namorados e namoradas, pais e avós, títulos nobiliárquicos, número de amigos, clientes, fãs, subscritores, eleitores, alunos, fiéis, notícias, citações, prémios, frequência de relações sexuais, ou variedades de parceiros, além da mais comum e espúria das suas razões bélicas, que é a noção do politicamente correcto. Excepto com uma coisa... isso não!
Com a empatia. Que ninguém lhe diga que o desejo de felicidade, de emancipação, consciência moral e cívica, responsabilidade, inteligência, aptidão para os elevados valores e obras, também são características atribuíveis a outrem, e que ele merece ser respeitado por isso. Que é por tal que são humanos e são essas a legítimas características da sua humanidade. Porque nela, na empatia, não vêem qualquer utilidade para eliminar os empecilhos ao seu brilhantismo, que os outros são.
Pois é esta suciedade que pretende negar aos "génios" o Panteão... Incluindo escritores. Mestres, como eram considerados pelos seus pares no seu tempo. Mestres que em vez de ensinar a fazer, fizeram. Mas como, a cuja negação de nada lhes serviu, vão continuar a escondê-lo nas bibliotecas e dos programas escolares, escaparates editoriais e páginas de revistas ou jornais, para que Aquilino continue a ser aquele que antes de morrer já indubitavelmente era: o mais célebre, prolífero e pujante escritor português, mas também o menos lido. Posto que ser lido é o melhor lugar que pode conceder-se a qualquer autor, e esse é o Panteão que vão continuar a negar-lhe, todos quantos tentaram negar-lhe o outro... mas, esforço capciosamente contemplado pelos nossos órgãos de soberania, como vão. Demonstrando que verdadeiramente soberana é a nossa língua, e que é do seu exercício na fala e na escrita, que melhor resulta o considerarem-nos um povo soberano entre outros povos igualmente soberanos. E soberania é tudo, menos suciedade!

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