O Toque de Mírdias
Há que definirmo-nos em relação à natureza e não a natureza em relação a nós, estabelecer uma convivência harmoniosa de base simbiótica entre ela e nós, ao contrário do esclavagismo de espécies com que actualmente nos pautamos, a fim de nos consciencializarmos do nosso papel no mundo e de como poderemos auxiliá-lo a resolver a crise ambiental e as alterações climáticas que ora nos assolam, consubstancializar a nossa atitude numa maior responsabilidade e emancipação, que dê significado ao total respeito pela ciclicidade dos processos naturais de evolução e sustentabilidade, num claro rompimento com a visão tradicional humanista de incidência económica que acentua, estimula e valoriza mais a sua exploração e utilização como geradora de riquezas, do que como geradora e alimentadora de vida.
Tendo dado pela falta de Sileno, seu mestre e criador, Baco resolveu procurá-lo. Mas em vão, pois o mundo era infindo e falho de meios de comunicação, mesmo para os deuses. Como era hábito, o velho andara bebendo e na rambóia, até perder o norte. Porém, uns camponeses encontraram-no e levaram-no ao rei Midas, que durante dez dias e dez noites, o manteve junto de si no meio de grande alegria. Ao décimo primeiro dia levo-o de volta a Baco, entregando-lho são e salvo. Então este, reconhecido, decide recompensar o rei concedendo-lhe um desejo, fosse ele qual fosse. Aí Midas pediu que tudo em que tocasse fosse transformado imediatamente em ouro. Baco, concedeu-lhe isso, embora, contrafeito, achasse que o outro podia ter feito melhor escolha. Midas, porém, maravilhado com o dom recém-adquirido, experimento-o com júbilo de volta a casa, mudando em ouro aqui uma pedra, ali um ramo, acolá uma maçã, por aí fora. Todavia, quando teve fome, e pegou no pão para comer, ele transformou-se em ouro, sucedendo igualmente ao vinho e demais iguarias que tanto gostava. Enfim, reconheceu que alguns desejos se podem tornar maldições, como ao caso lhe estava sucedendo...
Ora, em termos ambientais, tendo sido criada Portalegre em honra de Baco, é notória nela apetência para dar continuidade ao desejo de Midas, tentando transformar em profícuas mais-valias tudo aquilo em que a natureza e a História a favoreceu: um património cultural, étnico, paisagista, edificado, climático e campestre de excelente qualidade, que, se reconvertido para valores de troca imediata, consumido e dado a consumir, fará do turismo aquela galinha dos ovos de ouro, espécie de El Dorado dos tempos modernos que nos propiciará um franco e desejado desenvolvimento.
Mas, conhecendo o que aconteceu a Midas, a quem um simples desejo acarretou excelsa maldição, resolveu inverter o processo, fazendo com que se transformasse em caca, porcaria, tudo em quanto mexesse, usando os mass medias ou planos de desenvolvimento, dando-lhe o seu toque especial e visão estratégica, numa característica inovadora a que se pode chamar, por associação directa e de resultados, o Toque de Mírdias. Foi assim no PDM, utilizando-o não para planear o urbanismo mas para poder recorrer a certas e determinadas verbas. Foi assim no Instituto Politécnico, não para formar massa crítica mas para se aproveitar das migrações estudantis portuguesas. Foi assim na Agenda 21 Local que comprou já feita a uma empresa de Évora, para contornar a cidadania participativa, o debate político e discussão que ela exigia. Foi assim nos PR (Planos de Reabilitação) do Polis, que entregou nas mãos dos empreendedores da construção civil e gabinetes de arquitectura com necessidades (ou amizades) especiais. Foi assim nos festivais de cinema e audiovisuais, e sobretudo igualmente assim no aproveitamento e interpretação dos recursos ambientais.
Vendeu espaços públicos a construtores civis, onde estes construíram autênticas aberrações ambientais e paisagísticas. Utilizou os transportes públicos para obrigar os portalegrenses a comprar carro. Apagou o comércio local com parquímetros e parques de estacionamento inoperativos. Esvaziou de famílias a cidade histórica. Corroeu as valências culturais com certames e instituições onerosas estimulando-lhe a dependência subsidiária. Programou os espectáculos e actividades sócio-culturais de acordo com as acções de promoção das etiquetas livreiras, musicais e agências nacionais. Caprichou na proliferação de tascas e multiplicou os festivais de vomitório e enfartamento. Enfim, estilhaçou a identidade gregária para vender os seus cacos avulso, numa tentativa de aumentar a receita sem recorrer à produção de valores. Derreteu o ouro que nos valia para fazer uma talha dourada que, ao invés de enfeitar, nos está a amortalhar, de tal forma que podemos dizer, que nos últimos anos, a única coisa que se modernizou crescendo, substancialmente e a olhos vistos, foi o Cemitério, e os respectivos ciprestes, que o emolduram.
Portanto, não basta fazer festivais e dar festas de papas e bolos, bailes de mercado e utilizar os velhotes para comprar o voto aos seus familiares, nem benzermo-nos como quadrúpedes de Alá, de cu prò ar, ou unir as mãos imitando o saboroso gesto de lamber vaginas, de preferência virgens e cheirosas, para nos considerarmos modernos e actuais, porque o que mais importa é contribuir com a nossa acção política para resolver os problemas do presente, e isso nunca se fará com métodos e atitudes do passado, a não ser que queiramos enterrar o futuro na vala dos genocídios comuns, à semelhança do que fizemos nas famigeradas guerras do nosso "abençoado e narcísico" antropocentrismo, nascido anteriormente mas tendo como pilares de referência Aristóteles, a que se seguiu Francis Bacon, depois Descartes, com estações intermédias em 1914-18 e culminou com a guerra de 1942-1945, numa enorme e apoteótica celebração de imortalidade do divino homem edificada com a sua acção mortífera sobre os outros homens, animais e plantas de todo o planeta – e arredores. Isto é, se queremos ser civilizados então devemos ter atitudes de cultura e civilidade susceptíveis de promoverem a vida e o seu berço, a natureza, e não a morte através da exploração desenfreada e inequívoca destruição do mundo natural, do qual dependemos e a vida, como os demais seres viventes conhecidos, incluindo os que não carecem de sol e oxigénio para o fazerem, ou os habitantes das profundidades oceânicas.
Tendo dado pela falta de Sileno, seu mestre e criador, Baco resolveu procurá-lo. Mas em vão, pois o mundo era infindo e falho de meios de comunicação, mesmo para os deuses. Como era hábito, o velho andara bebendo e na rambóia, até perder o norte. Porém, uns camponeses encontraram-no e levaram-no ao rei Midas, que durante dez dias e dez noites, o manteve junto de si no meio de grande alegria. Ao décimo primeiro dia levo-o de volta a Baco, entregando-lho são e salvo. Então este, reconhecido, decide recompensar o rei concedendo-lhe um desejo, fosse ele qual fosse. Aí Midas pediu que tudo em que tocasse fosse transformado imediatamente em ouro. Baco, concedeu-lhe isso, embora, contrafeito, achasse que o outro podia ter feito melhor escolha. Midas, porém, maravilhado com o dom recém-adquirido, experimento-o com júbilo de volta a casa, mudando em ouro aqui uma pedra, ali um ramo, acolá uma maçã, por aí fora. Todavia, quando teve fome, e pegou no pão para comer, ele transformou-se em ouro, sucedendo igualmente ao vinho e demais iguarias que tanto gostava. Enfim, reconheceu que alguns desejos se podem tornar maldições, como ao caso lhe estava sucedendo...
Ora, em termos ambientais, tendo sido criada Portalegre em honra de Baco, é notória nela apetência para dar continuidade ao desejo de Midas, tentando transformar em profícuas mais-valias tudo aquilo em que a natureza e a História a favoreceu: um património cultural, étnico, paisagista, edificado, climático e campestre de excelente qualidade, que, se reconvertido para valores de troca imediata, consumido e dado a consumir, fará do turismo aquela galinha dos ovos de ouro, espécie de El Dorado dos tempos modernos que nos propiciará um franco e desejado desenvolvimento.
Mas, conhecendo o que aconteceu a Midas, a quem um simples desejo acarretou excelsa maldição, resolveu inverter o processo, fazendo com que se transformasse em caca, porcaria, tudo em quanto mexesse, usando os mass medias ou planos de desenvolvimento, dando-lhe o seu toque especial e visão estratégica, numa característica inovadora a que se pode chamar, por associação directa e de resultados, o Toque de Mírdias. Foi assim no PDM, utilizando-o não para planear o urbanismo mas para poder recorrer a certas e determinadas verbas. Foi assim no Instituto Politécnico, não para formar massa crítica mas para se aproveitar das migrações estudantis portuguesas. Foi assim na Agenda 21 Local que comprou já feita a uma empresa de Évora, para contornar a cidadania participativa, o debate político e discussão que ela exigia. Foi assim nos PR (Planos de Reabilitação) do Polis, que entregou nas mãos dos empreendedores da construção civil e gabinetes de arquitectura com necessidades (ou amizades) especiais. Foi assim nos festivais de cinema e audiovisuais, e sobretudo igualmente assim no aproveitamento e interpretação dos recursos ambientais.
Vendeu espaços públicos a construtores civis, onde estes construíram autênticas aberrações ambientais e paisagísticas. Utilizou os transportes públicos para obrigar os portalegrenses a comprar carro. Apagou o comércio local com parquímetros e parques de estacionamento inoperativos. Esvaziou de famílias a cidade histórica. Corroeu as valências culturais com certames e instituições onerosas estimulando-lhe a dependência subsidiária. Programou os espectáculos e actividades sócio-culturais de acordo com as acções de promoção das etiquetas livreiras, musicais e agências nacionais. Caprichou na proliferação de tascas e multiplicou os festivais de vomitório e enfartamento. Enfim, estilhaçou a identidade gregária para vender os seus cacos avulso, numa tentativa de aumentar a receita sem recorrer à produção de valores. Derreteu o ouro que nos valia para fazer uma talha dourada que, ao invés de enfeitar, nos está a amortalhar, de tal forma que podemos dizer, que nos últimos anos, a única coisa que se modernizou crescendo, substancialmente e a olhos vistos, foi o Cemitério, e os respectivos ciprestes, que o emolduram.
Portanto, não basta fazer festivais e dar festas de papas e bolos, bailes de mercado e utilizar os velhotes para comprar o voto aos seus familiares, nem benzermo-nos como quadrúpedes de Alá, de cu prò ar, ou unir as mãos imitando o saboroso gesto de lamber vaginas, de preferência virgens e cheirosas, para nos considerarmos modernos e actuais, porque o que mais importa é contribuir com a nossa acção política para resolver os problemas do presente, e isso nunca se fará com métodos e atitudes do passado, a não ser que queiramos enterrar o futuro na vala dos genocídios comuns, à semelhança do que fizemos nas famigeradas guerras do nosso "abençoado e narcísico" antropocentrismo, nascido anteriormente mas tendo como pilares de referência Aristóteles, a que se seguiu Francis Bacon, depois Descartes, com estações intermédias em 1914-18 e culminou com a guerra de 1942-1945, numa enorme e apoteótica celebração de imortalidade do divino homem edificada com a sua acção mortífera sobre os outros homens, animais e plantas de todo o planeta – e arredores. Isto é, se queremos ser civilizados então devemos ter atitudes de cultura e civilidade susceptíveis de promoverem a vida e o seu berço, a natureza, e não a morte através da exploração desenfreada e inequívoca destruição do mundo natural, do qual dependemos e a vida, como os demais seres viventes conhecidos, incluindo os que não carecem de sol e oxigénio para o fazerem, ou os habitantes das profundidades oceânicas.
(Os Girassóis, de Van Gogh)
Há mais vida para além da nossa, mas acontece que essa vida sobrevive muito bem sem a nossa, e esta, a nossa, nunca sobreviverá sem essa vida, sem a ecosfera tal e qual como a conhecemos e enquanto mantiver os valores de salubridade suficientes e necessários à nossa existência. Pelo que importa assumir uma nova posição ética, consentânea com as nossas maiores dificuldades actuais, e consciencializarmo-nos de que elas não são só nossas embora tenhamos sido nós a produzi-las, a provocá-las, com os nossos pensamentos, religiões, economias, governos, comportamentos e atitudes. E essa ética já existe, transposta e subscrita por Naess (1948), embora possa vir a ser melhorada e tornada mais compatível com a actualidade global, se for igualmente melhor conhecida dos humanos, mais praticada pelos povos e superiormente contemplada nas políticas e enquadramentos legais das diferentes governanças europeias e ocidentais, enunciada conforme se segue:
1 – O florescimento da vida humana e não humana tem valor em si mesmo (valor intrínseco ou valor inerente), independentemente dos objectivos humanos.
2 – A riqueza e a diversidade de formas de vida contribuem para a realização desse valor e são também valores em si mesmos.
3 – Os seres humanos não têm o direito de reduzir esta riqueza e diversidade, excepto para satisfazerem necessidades vitais.
4 – A qualidade da vida humana e a afirmação das diferentes culturas são compatíveis com uma substancial diminuição da população humana, aspecto indispensável ao florescimento da vida não humana.
5 – A actual interferência humana no mundo não humano é excessiva e a situação está a agravar-se rapidamente.
6 – As políticas têm de ser alteradas, face à gravidade da situação. Estas políticas têm de afectar as opções económicas e tecnológicas e as estruturas ideológicas.
7 – A mudança ideológica tem de se centrar na aposta na qualidade de vida, em vez de uma adesão a um elevado padrão material. Esta mudança traduzirá a tomada de consciência da diferença entre grandeza e grandiosidade.
8 – Os que subscrevem estes pontos de vista têm a obrigação, de forma directa ou indirecta, de tentar implementar as mudanças necessárias.
Ou seja, se quisermos mudar podemos mudar, da mesma forma que se quisermos continuar a empestar o planeta, e a transformá-la em caca com o nosso Toque de Mírdias podemos continuar a fazê-lo, embora saibamos pelos Bangladeshs da actualidade que isso não nos será facultado durante muito mais tempo. E lavar as mãos, como Pilatos, não leva a nada ou, ainda piora, mesmo que o façamos com detergente Al Gore!
Há mais vida para além da nossa, mas acontece que essa vida sobrevive muito bem sem a nossa, e esta, a nossa, nunca sobreviverá sem essa vida, sem a ecosfera tal e qual como a conhecemos e enquanto mantiver os valores de salubridade suficientes e necessários à nossa existência. Pelo que importa assumir uma nova posição ética, consentânea com as nossas maiores dificuldades actuais, e consciencializarmo-nos de que elas não são só nossas embora tenhamos sido nós a produzi-las, a provocá-las, com os nossos pensamentos, religiões, economias, governos, comportamentos e atitudes. E essa ética já existe, transposta e subscrita por Naess (1948), embora possa vir a ser melhorada e tornada mais compatível com a actualidade global, se for igualmente melhor conhecida dos humanos, mais praticada pelos povos e superiormente contemplada nas políticas e enquadramentos legais das diferentes governanças europeias e ocidentais, enunciada conforme se segue:
1 – O florescimento da vida humana e não humana tem valor em si mesmo (valor intrínseco ou valor inerente), independentemente dos objectivos humanos.
2 – A riqueza e a diversidade de formas de vida contribuem para a realização desse valor e são também valores em si mesmos.
3 – Os seres humanos não têm o direito de reduzir esta riqueza e diversidade, excepto para satisfazerem necessidades vitais.
4 – A qualidade da vida humana e a afirmação das diferentes culturas são compatíveis com uma substancial diminuição da população humana, aspecto indispensável ao florescimento da vida não humana.
5 – A actual interferência humana no mundo não humano é excessiva e a situação está a agravar-se rapidamente.
6 – As políticas têm de ser alteradas, face à gravidade da situação. Estas políticas têm de afectar as opções económicas e tecnológicas e as estruturas ideológicas.
7 – A mudança ideológica tem de se centrar na aposta na qualidade de vida, em vez de uma adesão a um elevado padrão material. Esta mudança traduzirá a tomada de consciência da diferença entre grandeza e grandiosidade.
8 – Os que subscrevem estes pontos de vista têm a obrigação, de forma directa ou indirecta, de tentar implementar as mudanças necessárias.
Ou seja, se quisermos mudar podemos mudar, da mesma forma que se quisermos continuar a empestar o planeta, e a transformá-la em caca com o nosso Toque de Mírdias podemos continuar a fazê-lo, embora saibamos pelos Bangladeshs da actualidade que isso não nos será facultado durante muito mais tempo. E lavar as mãos, como Pilatos, não leva a nada ou, ainda piora, mesmo que o façamos com detergente Al Gore!
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